O “Nada” é um conceito importante em Flusser. Aparece com frequência em seus textos. Por exemplo: em seu primeiro livro publicado, Língua e Realidade, Flusser mostra que a língua nasce do nada e do caos, e ao caos retorna constantemente em seu processo constante de recriação. Rainer Guldin aproxima o conceito flusseriano de “Nada” da tradição da cabala judaica. Guldin observa que nas tradições grega e cristã o Nada costuma ser encarado como um princípio negativo, enquanto na cabala judaica o Nada é visto como uma presença viva que, embora não se possa comparar à presença do universo criador, apresenta um caráter igualmente real e acompanha a criação como um reservatório de força que pode ser reiteradamente buscado.[1]
No ensaio “A Dúvida”, Flusser afirmou que “Somos a primeira ou a segunda geração daqueles que experimentam o niilismo vivencialmente. Somos a primeira ou a segunda geração daqueles para os quais a dúvida da dúvida não é mais um passatempo teórico, mas uma situação existencial. Enfrentamos, nas palavras de Heidegger, ‘a clara noite do nada’”. Embora considerasse o niilismo uma situação existencial insustentável, Flusser acreditava que ele precisava ser tomado como ponto de partida para toda tentativa de superação. A situação que vivenciamos, em que a dúvida desalojou a fé e o senso da realidade, deve ser aceita como um fato, embora talvez não ainda como um fato totalmente consumado. Só a partir do próprio niilismo é que poderíamos sair do niilismo.
O haikai (em inglês) que meu amigo Gavin Adams compôs a respeito de Flusser tem tudo a ver com isso:
The void below
Wings aflutter
Yet doubts aglow [2]
[1] GULDIN, Rainer. Pensar entre línguas: a teoria da tradução de Vilém Flusser. Tradução de Murilo Jardelino da Costa e Clélia Barqueta. São Paulo: Annablume, 2010, p. 184.
[2] A reprodução é permitida com citação, exceto em caso de seu uso comercial.
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